E se você dormisse? E se você sonhasse? E se, em seu sonho, você fosse ao Paraíso e lá colhesse uma flor bela e estranha? E se, ao despertar, vocêtivesse a flor entre as mãos? Ah, e então? (Coleridge)

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

13 [run]

... E corre pela densa floresta.Ainda perdido,sem exatamento um caminho a seguir,acaba por escolher todos e girar em torno de si.
As arvores olham e se lamentam.As flores sorriem e lhe exibem suas mais variadas cores.
Chove.
Corre.
Para.

La fora,a vida segue lentamente rumo ao desconhecido.
La dentro,em seu leito,so Deus sabe o quanto ele corre.

domingo, 13 de dezembro de 2009

conselho

Um corvo está sentado numa árvore o dia inteiro sem fazer nada. Um pequeno coelho vê o corvo e pergunta:
- 'Eu posso sentar como você e não fazer nada o dia inteiro?'
O corvo responde, sorrindo:
- 'Claro, porque não?'
O coelho senta no chão embaixo da árvore, e relaxa.. De repente uma raposa aparece e come o coelho.
Conclusão: Para ficar sentado sem fazer nada, você deve estar no topo.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

...ENQUANTO HOUVER VOCÊ DO OUTRO LADO
AQUI DO OUTRO EU CONSIGO ME ORIENTAR...

sexta-feira, 20 de março de 2009

quinta-feira, 19 de março de 2009

Observando as mais variadas flores do mundo...

(retirado de "a casa da arvore" - Maira Viana)



Parace que foi ontem. Arrumei as malas e desapareci. Deixando trás todas as pessoas do mundo. As chatas, as acéfalas e também as tediosas. Pois todas elas escondiam espinhos em suas falas, em seus olhares e em seus gestos. E nunca fui boa em desviar de farpas, quiça espinhos. Arrumei as malas e desapareci. A casa da árvore, então, me acolheu. Figura onírica de minha infância, era a casa. Do alto dela, eu imaginava a preocupação de todos ao darem por meu sumiço. Mas, com o passar do tempo, calculei que se acostumariam com minha ausência. A tudo se acostuma. E, pendurada nesta casa, guardei meus slêncios, meus escritos, minhas dores e meus documentos. Fiz do quarto esconderijo para minha esquisitisse, minhas calcinhas e meus sonhos. E ninguem precisa saber das luzes da minha casa. Quando acendo, quando apago e quando as faço piscar. Ninguem precisa saber da minha demencia, da minha falta de tato, das minhas insonias e das minhas compulsões. Realmente ninguem precisa. E nenhuma outra casa, assim como nenhuma outra árvore, me acolherá da mesma forma que esta me acolhe. Porque esta é minha e me cabe como nenhuma outra jamais me coube. Com o passar do tempo me acostumei a vivers sozinha. A tudo se acostuma. E do alto desta casa muita coisa se fez clara. E durante tantos anos, observando as mais variadas flores do mundo, do canto da minha janela, percebi que todas elas traziam consigo alguns espinhos. E nunca fui boa em desviar de farpas, quiça espinhos. Mas, com o passar do tempo, me acostumei a conviver com eles. Foi então que entendi que flores e pessoas podem ter muita coisa em comum. E que a tudo pode-se acostumar. Bastar, com o passar do tempo, aprender a lidar. Parace que foi ontem. Arrumei as malas e desapareci. Deixando pra trás todas as pessoas do mundo. As adoráveis, as dedicadas e também as carismáticas. Eu apenas não sabia que poderia, com o passar do tempo, me acostumar a lidar com todas elas.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

metamorfose

Mal Piktor entrara no paraíso, parou diante de uma árvore que era ao mesmo tempo homem e mulher. Piktor saudou a árvore com respeito e perguntou:
- És uma árvore da vida?
Quando porém em vez da árvore quem quis responder foi a serpente, ele virou as costas e continuou andando. Ele era todo olhos, tudo lhe agradava. Sentiu claramente que estava em sua terra e na fonte da vida.
E viu de novo uma árveor, que era ao mesmo tempo o sol e a lua.
Piktor falou:
- És a árvore da vida?
O sol assentiu e riu, a lua assentiu e sorriu.
As flores mais maravilhosas o olharam, com toda espécie de cores e luzes, com toda a sorte de olhos e faces. Algumas assentiram rindo, algumas assentiram sorrindo, outras não assentiram nem sorriram: calaram-se embriagadas, em si mesmas mergulhadas, bêbadas do próprio perfume. Uma cantou a canção lilás, uma cantou a canção de ninar azul-escura. Uma das flores tinha grandes olhos azuis, uma outra fazia-o lembrar-se de seu primeiro amor. Uma cheirava ao jardim da sua infância, seu perfume doce soava como a voz da mãe. Uma outra riu para ele e estendeu-lhe uma língua curva e vermelha. Ele a lambeu, tinha um gosto forte e selvagem, de resina e mel, e também do beijo de uma mulher. Entre todas as flores Piktor parou cheio de saudade e temerosa alegria. Seu coração, como se fosse um sino, batia forte, batia muito; ele queimava no desconhecido, num encanto pressentido, ardia o seu desejo.
Piktor viu um pássaro sentar, viu-o na grama sentar e em cores brilhar, todas as cores parecia ter o lindo pássaro. Perguntou ao lindo pássaro colorido:
- Ó pássaro, onde está a felicidade?
- A felicidade? - falou o lindo pássaro, e riu com o seu bico dourado - a felicidade, amigo, está em toda parte, na montanha e no vale, na flor e no cristal.
Com essas palavras o alegre pássaro sacudiu sua plumagem, virou o pescoço, agitou a cauda, piscou os olhos, riu de novo, e então ficou sentado impassível, sentou-se quieto na grama, e vede: o pássaro transformou-se agora numa flor multicolorida, as plumas em folhas, as garras em raízes. No brilho de cor, no meio da dança, ele virou-se em planta. Piktor viu isso admirado.
E logo em seguida a flor-pássaro moveu suas folhas e estames, cansou-se de ser flor, não tinha mais raízes, moveu-se facilmente, ergueu-se devagar, transformou-se numa brilhante mariposa que se balançava no ar, sem peso, toda luz, toda um rosto luminoso. Piktor abriu bem os olhos.
A nova borboleta, porém, a alegre e colorida maripôsa-flor-pássaro, o luminoso rosto colorido voou em círculos ao redor do espantado Piktor, cintilou ao sol, pousou suave como um floco de neve, parou bem perto dos pés de Piktor, respirou delicadamente, tremeu um pouco as asas brilhantes, logo se transformou num cristal colorido, de cujas arestas se irradiava uma luz vermelha. A pedra vermelha reluzia maravilhosamente na grama e nas ervas, clara como um carrilhão de sinos em dia de festa. Mas seu lar, o interior da terra, pareceu chamá-la; rapidamente ela diminuiu, torceu-se para penetrar no chão.
Aí Piktor, levado por uma necessidade imperiosa, estendeu a mão para a pedra que diminuía e segurou-a. Olhava com encanto a sua luz mágica, que lhe parecia irradiar no coração todo pressentimento de bem-aventurança.
De repente, sobre o galho de uma árvore morta apareceu a serpente e ciciou-lhe:
- A pedra te transformará no que quiseres. Rápido, dize-lhe teu desejo, antes que seja tarde demais!
Piktor assustou-se e temeu perder sua felicidade. Disse rapidamente a palavra e transformou-se numa árvore. Pois ele já havia desejado ser uma árvore, porque as árvores lhe pareciam cheias de tranqüilidade, força e dignidade.
Piktor transformou-se numa árvore. Cresceu com raízes para dentro da terra, esticou-se na altura, folhas e ramos surgiram do seu tronco. Estava muito contente com isso. Fez uma esteira de fios sedentos bem fundo na terra fresca, e ventava com suas folhas bem alto no azul. Escaravelhos moravam na sua casca, aos seus pés moravam lebres e ouriços, nos seus ramos, os pássaros.
A árvore Piktor era feliz e não contava os anos que passavam. Muitos anos se passaram antes que ele percebesse que sua felicidade não era perfeita. Devagar, entretanto, aprendeu a ver com os olhos de árvore. Finalmente pôde enxergar e ficou triste.
Viu que em volta dele, no paraíso, a maioria dos seres se transformava com muita freqüência, que tudo flutuava numa torrente encantada de eternas transformações. Viu flores tornarem-se pedras preciosas, ou voarem como brilhantes pássaros vibrantes; Viu ao seu lado de repente desaparecerem algumas árvores; uma desfizera-se em fonte, a outra tornara-se um crocodilo, uma outra nadara alegre e fresca, cheia de alegria, como um peixe, para numa nova forma começar novas brincadeiras. Elefantes confundiam sua roupagem com pedras, girafas confundiam sua forma com flores.
Ele próprio, porém, a árvore Piktor, continuava sempre a mesma; ele não podia mais se transformar. Assim que reconheceu isso, sua felicidade se desvaneceu; começou a envelhecer e conservou sempre mais aquela posição cansada, séria e preocupada, que se pode observar em muitas velhas árvores. Também nos cavalos, nos pássaros, nos homens e todos os seres pode-se ver isso diariamente: quando não possuem o dom da transformação, com o tempo caem na tristeza e se atrofiam, sua beleza se perde.
Um dia então uma menina passou por aquele lado do paraíso, com um cabelo louro, com um vestido azul. Cantando e dançando a lourinha corria por baixo das árvores e até agora nunca havia pensado em pedir para si o dom da transformação.
Muito macaco inteligente ria atrás dela, muito arbusto roçava nela delicadamente, muita árvore atirava-lhe um botão, uma noz, uma maçã, sem que ela prestasse atenção.
Quando a árvore Piktor viu a menina, apoderou-se dele uma grande tristeza, um desejo de felicidade, como ainda nunca sentira. E imediatamente uma profunda meditação tomou conta dele, pois era como se seu próprio sangue pedisse: "Pensa! lembra-te daquela hora em toda a tua vida, encontra o sentido, senão será tarde demais, nunca mais terás uma alegria". E ele escutou. Recordou-se de todo o seu passado; dos seus anos de homem, de sua marcha para o paraíso, muito especialmente daquele instante, antes de se ter tornado uma árvore, daquele maravilhoso instante em que segurara nas mãos a pedra encantada. Naquele tempo, quando toda transformação lhe era possível, a vida ardera dentro dele como nunca! Lembrou-se do pássaro que havia rido, e da árvore com o sol e com a lua; ocorreu-lhe o pressentimento de que naquele instante esquecera alguma coisa, que o conselho da serpente não fora bom.
A mocinha ouviu um sussurro nas folhas da árvore Piktor, olhou para ele e sentiu, com uma súbita dor no coração, moverem-se dentro dela novos pensamentos, novos desejos, novos sonhos. Levada por força desconhecida, sentou-se debaixo da árvore. Ela lhe parecia solitária e triste, e com isso bela, comovente e nobre na sua tristeza muda; a canção da sua copa sussurrante soou-lhe sedutora. Inclinou-se contra o tronco rude, sentiu que a árvore se arrepiava, sentiu o mesmo arrepio no próprio coração. Raramente o coração lhe doía, sobre o céu de sua alma corriam nuvens, lentas lágrimas pesadas caíram de seus olhos. Afinal que era isso? Por que se devia sofrer tanto? Por que desejava o coração romper o peito e se fundir nele, no belo homem solitário?
A árvore estremeceu levemente até as raízes, tão violenta a força de vida que reuniu em si, num ardente desejo de unificação com a menina. Ah, que enganado pela serpente, encantara-se para sempre numa árvore! Ah, que cego, que insensato fora! Então não soubera de nada, estivera tão alheio ao segredo da vida? Não, bem que ele o sentira antes e pressentira - tristeza e profunda compreensão, e agora pensava na árvore, que era homem e mulher!
Um pássaro veio voando, um pássaro vermelho e verde, um pássaro bonito e audaz veio voando, veio voando em forma de arco. A menina o viu voar, viu alguma coisa cair do seu bico, brilhando, vermelha como sangue, como brasa, caiu na erva verde e brilhava na erva verde e era tão familiar, seu brilho vermelho pedia tão alto, que a menina se curvou e o vermelho segurou. Aí era um crista], era um carbúnculo e onde ele está não pode haver escuridão.
Assim que a menina segurou a pedra encantada na sua mão branca, logo se satisfez o desejo de seu coração. A bela desapareceu, penetrou na árvore e tornou-se com ela uma só, brotou do seu tronco como um jovem ramo, cresceu rapidamente para cima.
Agora tudo estava bem, o mundo estava em ordem, só agora o paraíso fora encontrado. Piktor não era mais uma velha árvore preocupada, agora cantava bem alto vitória, vitória.
Ele se transformara. E porque dessa vez alcançara a transformação certa e eterna, porque, de um meio, ele se tornara um todo, daquela hora em diante podia continuar se transformando, quanto quisesse.
A encantadora torrente da transformação corria continua pelo seu sangue, ele eternamente tomava parte na criação de todas as horas. Foi rena, foi peixe, foi gente e serpente, nuvem e pássaro. Em cada forma, porém, era um todo, era um par, tinha lua e sol, tinha macho e fêmea em si, corria pelas terras como rios gêmeos, brilhava como dupla estrela no céu !

( HERMANN HESSE )

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Tá certo que o nosso mal jeito foi
Vital pra dispensar o nosso bom
O nosso som pausou
E por tanta exposiçao a disposiçao cansou
Secou da fonte da paciencia
E nossa excelencia ficou la fora


Soluçao é a solidão de nós
Deixa eu me livrar das minhas marcas
Deixa eu me lembrar de criar asas
Deixa que esse verão eu faço só
Deixa que esse verão eu faço só
Deixa que nesse verão eu faço sol

Só me resta agora acreditar
Que esse encontro que se deu
Não nos traduziu o melhor
A conta da saudade quem é que paga
Já que estamos brigados de nada
Já que estamos fincados em dor

Lembra o que valeu a pena
Foi nossa cena nao ter pressa pra passar
Lembra o que valeu a pena
Foi nossa cena nao ter pressa pra passar


domingo, 25 de janeiro de 2009

SONHO DE UMA FLAUTA - Hermann Hesse

- Toma - disse meu pai, e entregou-me uma pequena flauta de osso - leva isso e não esqueças teu velho pai, quando alegrares com tua música as pessoas nas terras distantes. Já é tempo de agora veres o mundo e aprenderes alguma coisa. Mandei fazer a flauta para ti, porque não sabes nenhum outro ofício e só gostas de cantar. Mas pensa também em só tocar sempre canções bonitas e agradáveis, senão seria pena pelo dom que Deus te concedeu.

Meu querido pai entendia pouco de música, não era um sábio; pensava que eu tinha apenas de soprar a linda flautinha e tudo estaria bem. Eu não queria decepcioná-lo, por isso agradeci, botei a flauta no bolso e me despedi.

Nosso vale era conhecido até o grande moinho; depois então começava o mundo, e ele me agradou bastante. Uma abelha cansada do vôo pousou na minha manga, e eu a levei comigo, afim de que no meu primeiro descanso tivesse um mensageiro para mandar de volta, como um cumprimento à minha terra.

Bosques e prados acompanhavam meu caminho, e o rio corria junto, vigorosamente; eu vi, o mundo deferia pouco da minha terra. As árvores e flores, as espigas de trigo e as moitas de avelã falavam comigo, cantei com elas suas canções e elas me compreendiam, exatamente como lá em casa; com isso minha abelha também despertou, subiu devagar até meus ombros, voou e tornou a cruzar duas vezes comigo, com seu zumbido profundo e doce, e então voltou para minha terra.

Aí apareceu diante do bosque uma mocinha, que carregava uma cesta no braço e um largo e sombrio chapéu de palha na cabeça loura.

- Bom dia - disse-lhe eu - aonde vais?

- Devo levar a comida aos ceifeiros - disse ela, e caminhou ao meu lado. - E para onde quereres ir ainda hoje?

- Vou para o mundo, meu pai me mandou. Ele acha que devo tocar flauta para as pessoas, mas isso ainda não sei direito, preciso primeiro aprender.

- Bem, bem. E que sabes então direito? Alguma coisa é preciso saber.

- Nada de especial. Sei cantar canções.

- Que canções?

- Canções de todo o tipo, sabes, para a manhã e para a tarde e para todas as árvores e bichos e flores. Agora, por exemplo, eu poderia cantar uma bonita canção de uma mocinha que vem saindo do bosque e traz comida para os ceifeiros.

- Podes fazer isso? Então canta um pouco!

- Sim, mas como te chamas mesmo?

- Brigite.

Então cantei a canção da linda Brigite com o chapéu de palha, o que ela traz na cesta, e como as flores olham para ela, e a trepadeira azul da grade do jardim sente saudades dela, e tudo o que se podia dizer. Ela prestou atenção seriamente e disse que estava bom. E quando lhe contei que estava com fome, ela levantou a tampa de sua cesta e apanhou para mim um pedaço de pão. Como mordi um pedaço e continuei firmemente a andar, ela disse:

- Não se deve comer andando. Uma coisa depois da outra.

Nos sentamos na grama e eu comi meu pão e ela cruzou as mãos morenas em volta da perna e ficou me olhando.

- Queres cantar ainda coisa para mim? - perguntou então, quando terminei.

- Quero, sim. Que deve ser?

- Sobre uma moça que está triste porque o amado partiu.

- Não, isso não posso. Não sei como é isso, e a gente também não deve ficar tão triste. Eu só devo cantar canções gentis e alegres, disse meu pai. Vou cantar para ti sobre o cuco ou a borboleta.

- E do amor não sabes nada? - perguntou ela, então.

- Do amor? Ora, claro, isso é o mais bonito de tudo.

Imediatamente comecei a cantar sobre o raio de sol que ama as papoulas vermelhas e como ele brinca com elas e fica cheio de alegria. E sobre a fêmea do tentilhão, quando espera por ele e quando ele vem, ela voa para longe e parece amedrontada. E continuei a cantar sobre a menina dos olhos castanhos e sobre o rapaz que chega, canta e por isso recebe um pão de presente; mas agora ele não quer mais pão, ele quer um beijo da donzela e quer olhar os seus olhos castanhos, e continua a cantar tanto tempo e não termina, até que ela começa a rir e lhe fecha a boca com seus lábios.

Aí Brigite debruçou-se e fechou-me a boca com os lábios e fechou os olhos e tornou a abri-los e eu olhei as estrelas castanho-douradas bem perto, eu próprio refletido ali dentro e um par de brancas flores do prado também.

- O mundo é muito bonito - disse eu - meu pai tinha razão. Mas agora quero te ajudar a carregar isso para que cheguemos até tua gente.

Tomei-lhe a cesta e continuamos a andar, seu passo combinava com o meu e sua alegria com a minha, e o bosque suave e fresco falava da montanha em volta; eu nunca havia caminhado com um prazer tão grande. Durante longo tempo cantei alegremente, até que tive de parar de tanta satisfação; eram coisas demais que rumorejavam e contavam-se sobre o vale e a montanha e a grama e a folhagem e o rio e a floresta.

Aí pensei: se pudesse compreender e cantar ao mesmo tempo essas mil canções do mundo, das gramas e flores e gente e nuvens e tudo, da floresta velha e do pinheiral e também de todos os bichos, e além disso ainda canções dos mares longínquos e montanhas, e as das estrelas e luas, e se tudo isso pudesse ressoar e cantar em mim ao mesmo tempo, então eu seria o querido Deus, e cada nova canção deveria ficar no céu como uma estrela.

Mas enquanto eu assim pensava, estava silencioso e maravilhado, porque aquilo antes nunca me ocorrera, Brigite parou e segurou a alça da cesta.

- Agora devo ir lá em cima - disse ela - lá no campo está nossa gente. E tu, para onde vais? Vens comigo?

- Não, ir contigo não posso. Preciso ir pelo mundo. Obrigado pelo pão, Brigite, e pelo beijo; vou pensar em ti.

Ela segurou a cesta de comida, e sobre a cesta seus olhos novamente se inclinaram para mim em sombras castanhas, e seus lábios prenderam-se aos meus e seu beijo foi tão bom e carinhoso, que quase fiquei triste de tanto prazer. Então gritei rápido:

- Vai com Deus - e marchei apressadamente pela estrada acima.

A moça subiu devagar a montanha, e sob as folhas de faia pendurada na orla do bosque, parou e olhou na minha direção, e quando lhe acenei com o chapéu, ela tornou a balançar a cabeça e desapareceu silenciosamente, como uma miragem, para dentro da sombra do bosque.

Eu, porém, continuei tranqüilamente meu caminho, e estava imerso em meus pensamentos, quando a estrada dobrou num curva.

Lá havia um moinho e, perto, um barco na água; dentro estava sentado um homem sozinho e parecia apenas esperar por mim, pois quando tirei o chapéu e entrei no barco, este, em seguida, começou a andar e deslizou rio abaixo. Eu estava sentado no meio do barco, e o homem atrás, no leme, e quando lhe perguntei para onde íamos, ele levantou os olhos cinzentos e encarou-me com um olhar velado.

- Para onde quiseres - disse, com uma voz abafada. - Rio abaixo e para o mar, ou para as grandes cidades, podes escolher. Tudo me pertence.

- Tudo te pertence? Então és o rei?

- Talvez - disse ele. - E, ao que me parece, tu és um poeta, não? Então canta-me uma canção de viagem!

Fiz um esforço, estava com medo do homem grisalho e sério, e nosso barco deslizava rápido e silencioso pelo rio. Cantei sobre o rio, que carrega o barco e reflete o Sol e rumoreja mais forte nas margens dos rochedos e completa alegremente seu passeio.

O rosto do homem continuou impassível, e quando prestei atenção, ele balançava a cabeça como um sonhador. Então, para meu espanto, ele próprio começou a cantar, e também cantava sobre o rio, e sobre a viagem do rio através dos vales, e sua canção era mais bela e poderosa que a minha, mas tudo soava diferente.

O rio, tal como ele cantava, vinha como um destruidor vacilante montanha abaixo, escuro e selvagem; furioso, ele se sentia dominado pelos moinhos, coberto pelas pontes, detestava cada navio que precisava carregar, e, em suas ondas e nas longas e verdes plantas aquáticas, rindo, balançava os corpos brancos dos afogados.

Isso tudo não me agradou, e entretanto era tão belo e cheio de um acento invisível, que fiquei completamente desorientado e angustiado e me calei. Se era certo o que esse velho, sensível e inteligente cantor, cantou com sua voz velada, então todas as minhas cantigas não passavam de tolices e brincadeiras bobas de criança. Então o mundo, por causa delas, não era bom e luminoso como o coração de Deus, e sim escuro e triste, mau e sombrio, e quando os bosques murmuravam, não era de alegria, e sim de martírio.

Seguimos adiante, e as sombras foram longas, e de cada vez que comecei a cantar, meu canto sova menos claro, e minha voz tornava-se mais baixa, e de cada vez o cantor desconhecido respondia com uma canção que tornava o mundo ainda mais enigmático e penoso, e me tornava ainda mais tímido e triste.

Minha alma doía e eu me arrependia de não ter ficado em terra, perto das flores ou da linda Brigite, e para sentir-me seguro no crepúsculo que crescia, recomecei a cantar e cantei na luz vermelha da tarde a canção de Brigite e de seu beijo.

Aí o crepúsculo começou, e eu emudeci, e o homem no leme cantou, e ele também cantava sobre o amor e a alegria do amor, sobre os lábios vermelhos e úmidos, e era lindo o que ele cantava, cheio de dor, sobre o rio escurecido, mas em sua canção também o amor se tornara sombrio e temível, e um segredo mortal, no qual os homens aflitos e feridos tocavam com seu desejo e sua saudade, e com o qual se martirizavam e se matavam uns aos outros.

Escutei e fiquei tão cansado e aflito, como se estivesse viajando desde muito tempo e houvesse passado por grande miséria e desgraça. Vinda do estranho, sentia cair sobre mim uma torrente silenciosa e fria de tristeza e receio, a penetrar no meu coração.

- Pois bem, a vida não é o que há de mais elevado e mais belo - gritei afinal amargamente - e sim a morte. Então te peço, rei triste, canta-me uma canção da morte!

O homem do leme cantou somente sobre a morte, e cantou melhor do que eu jamais ouvira cantar. Mas a morte também não era o que havia de mais elevado e mais belo, nela também não se encontrava consolo. A morte era vida e a vida era morte, e elas estavam entrelaçadas numa perpétua e furiosa luta de amor, e isso era a última coisa e o sentido do mundo, e dali vinha um clarão, que parecia querer valorizar toda a miséria, e de outro lado vinha uma sombra que perturbava toda a alegria e beleza e as envolvia na escuridão. Mas para além da escuridão, a alegria ardia mais íntima e bela, e o amor queimava mais profundamente nessa noite.

Escutei e fiquei bem quieto, não tinha mais nenhuma vontade dentro de mim além da vontade do estranho. Seu olhar repousou sobre mim, tranqüilo e com uma certa bondade triste, e seus olhos cinzentos estavam cheios da dor e da beleza do mundo. Ele me sorriu, e então achei nele um coração, e pedi na minha dor:

- Ah, vamos voltar! Sinto medo aqui na noite e queria retornar para onde posso encontrar Brigite, ou para a casa de meu pai.

O homem levantou-se e espiou a noite, e sua lanterna iluminou claramente seu rosto magro e firma.

- Para trás não há caminho - disse sério e amável. - A gente precisa ir sempre para a frente, quando quer penetrar no mundo. E da garota dos olhos castanhos já tiveste o melhor e o mais belo, e quanto mais longe estiveres dela, melhor e mais lindo isso vai se tornar. Ainda assim, segue sempre para onde quiseres, vou te ceder meu lugar no leme!

Eu estava triste demais, e, entretanto, vi que ele tinha razão. Cheio de saudade pensei em Brigite e na minha terra e em tudo que me fora próximo e luminoso e que pertencera, e que eu agora havia perdido. Mas queria tomar o lugar do desconhecido e dirigir o leme. Assim devia ser.

Por isso levantei-me em silêncio e fui andando pelo barco até o lugar do leme, e o homem veio em silêncio ao meu encontro, e quando já estávamos perto um do outro, olhou-me firmemente no rosto e entregou-me sua lanterna.

Entretanto, quando me sentei ao leme com a lanterna do meu lado, estava sozinho no barco; percebi isso com profunda estranheza, o homem desaparecera, e, contudo, eu não estava amedrontado, já pressentira isso. Pareceu-me que o lindo dia da caminhada e Brigite e meu pai e minha terra tinham sido apenas um sonho, e que eu era velho e aflito, e que desde sempre e sempre viajava sobre esse rio noturno.

Compreendi que não devia chamar pelo homem e a percepção da verdade atingiu-me como a geada.

Para certificar-me do que imaginava, debrucei-me sobre a água e ergui a lanterna, e do escuro espelho de água um rosto duro e sério me olhou com olhos cinzentos, um rosto velho, sábio, e vi que aquele era eu.

E como nenhum caminho voltava atrás, continuei seguindo sobre a água escura dentro da noite.



terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Eu não Quero o Presente, Quero a Realidade - Alberto Caeiro

Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.

Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.