obs:Antes não tivesse falado,e não lhe seria cobrado...
Desde que assumiu o Palácio do Planalto, Lula fez mais de 100 discursos. Ele aproveita qualquer solenidade para mandar seu recado e, com irrefreável pendor para o improviso, não raro seus discursos extrapolam o tema do momento e acabam por contemplar assuntos de interesse mais amplo, ganhando as manchetes do dia seguinte. Nos últimos tempos, Lula falou a negros, empresários, sem-terra, deficientes mentais, sindicalistas, doceiras, vereadores, juristas. Lula fala tanto, o tempo todo, que até dispensa cadeias nacionais de rádio e televisão. Até agora, convocou apenas uma. Em contraste, em seus primeiros seis meses de governo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não era de falar pouco, convocou cinco cadeias nacionais. Lula fala tanto porque, em política, a palavra é poder.
Encarregado de escrever os discursos oficiais do presidente, Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência da República, ex-professor de português com conhecimentos de grego e latim, só está por trás de uma parte daquilo que aparece nas declarações de Lula. A parte mais polêmica geralmente não sai da tela de seu computador. É criação pessoal de Lula, no improviso. Político carismático, Lula envolve emocionalmente os ouvintes com sua espontaneidade e é convincente em mensagens de otimismo porque ele mesmo é um produto da auto-estima e da vontade de vencer. Isso tudo é muito positivo para o exercício da Presidência, mas há um risco que já começa a ser notado no desempenho verbal de Luiz Inácio. Numa solenidade à beira do túmulo do sindicalista Chico Mendes e, depois, numa videoconferência no Banco Mundial, Lula deixou de falar sobre o papel dos brasileiros na construção do Brasil e aventurou-se a discorrer sobre a missão do homem na Terra. Numa cerimônia na Confederação Nacional da Indústria, Lula desprezou o Congresso e o Judiciário e disse que só Deus será capaz de impedir que o Brasil ocupe seu lugar de destaque no mundo. Na abertura de uma feira gaúcha, afirmou que assumiu um país quebrado e se proclamou o salvador nacional. "Quando fala, Lula se coloca entre a vontade divina e a vontade popular", diz Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Campinas. "Ao dizer que alguém terá de salvar o país e esse alguém é ele, Lula se apresenta como Moisés. É um discurso antigo, sem lugar no Estado moderno e democrático."
Em diversas ocasiões, Lula tem dito que seu governo, ao contrário dos anteriores, não tem o direito de errar, sob pena de desmoralizar a competência política das camadas populares, estrato social de onde provém. Com isso, o presidente tangencia o mito da infalibilidade, outra nódoa messiânica que mancha seus discursos. Na Roma antiga, para combater essa ilusão onipotente, diz a história que os guerreiros, quando voltavam de uma batalha vitoriosa, eram saudados com tal entusiasmo popular que um sacerdote era escalado para acompanhá-los nas bigas e ficar repetindo: "Lembra-te de que és mortal! Lembra-te de que és mortal!". Ao recordar esse ritual quando se referiu aos arroubos retóricos de Lula, o articulista João Mellão Neto escreveu o seguinte no jornal O Estado de S.Paulo: "Tratava-se de uma advertência prudente: o poder e o sucesso inebriam de tal forma que não raro levam os homens a perder o senso, se julgar infalíveis, desafiar os deuses e o destino".
Com certeza, Lula não chegou a tanto, mas seus improvisos começam a causar incômodo em função do descompasso entre o que o presidente diz e o que seu governo faz. Neste aspecto, Lula mantém um cacoete dos tempos de militância sindical. No universo das assembléias de trabalhadores, a palavra tem um valor tremendo, quase equivalente à ação. Quem fala melhor, quem arrebata a platéia, é aplaudido e tem sua proposta aprovada – e, na disputa pelo comando da massa, é isso que conta. No governo, porém, falar não é sinônimo de realizar. Falar, conquistar a platéia, é só o início. "O presidente fala demais porque governa pouco", diz o cientista político Otaciano Nogueira, ex-professor da Universidade de Brasília. "O discurso de Lula, com sua linguagem peregrina, é vago. Hegel, o filósofo, dizia que o discurso é um ato eficaz na medida em que precede a ação", completa. O descompasso entre a palavra do presidente e a ação do governo é particularmente acentuado num dos campos mais caros aos petistas – a área social.
fonte:http://www.unicamp.br/unicamp/canal_aberto/clipping/julho2003/clipping030707_veja.html
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